O Homem Irracional: Valores invertidos

17228932469_7017d41464_oPreciso confessar. Passei uma vida de filmes sem nunca ter assistido nada do Woody Allen. Eu sei, “shame on me“, uma lacuna na minha vida. Mas que foi preenchida recentemente, ou pelo menos começou a ser. O Homem Irracional (Irrational Man, 2015) sua mais nova obra, como sempre idealizada, dirigida e roteirizada pelo próprio, me conferiu a oportunidade de fazer justiça ao tão falado autor. E já vou confessar minhas primeiras impressões: Gostei demais.

O filme é bem escrito e tem os traços reflexivos, profundos e peculiares de que sempre ouvi falar serem comuns a Woody Allen. A música também me cativou bastante, não pelo apelo emocional que normalmente vemos no cinema (conduzindo a ação), mas como uma sutil influência a reflexão. Aliás, o filme é reflexivo. Pelo menos nesse filme, das mais fortes emoções possíveis a uma história, desde alegria, furor, frustração (Salve G. R. R. Martin), nojo e qualquer coisa que o valha, ele escolheu a mais suave: Reflexão. É claro que você vai ser convidado a sentir outras bem interessantes também, como a tensão em certos diálogos e até mesmo o clichê do suspense, mas o que o filme deixou em mim foi uma marca reflexiva.

Mesmo assim o filme não perde ritmo e nem fica chato hora nenhuma, pelo contrário o mérito de sua direção fica evidente ao tratar do que se trata sem qualquer viés de tédio. Você dará algumas risadas, não vai chorar uma lágrima, mas a profunda reflexão é inescapável.

Como não pretendo dar Spoilers vou tentar entregar o menos possível: O filme é uma clara crítica ao pensamento pós-moderno ou líquido. Uma experiência de análise da moral subjetiva de nossos tempos. Construindo o roteiro com um arco invertido a maioria dos filmes que vemos por aí, Woody Allen consegue construir e analisar uma ficção das mais realistas possíveis. Realista não em um sentido factível, mas muito além disso, num sentido verdadeiro.

| Você dará algumas risadas, não vai chorar uma lágrima, mas a profunda reflexão é inescapável.

A vida não costuma acompanhar o arco da maioria dos filmes que começam bem, atravessam a adversidade e acabam melhor do que começaram. A vida é mais como conta o filme em seu arco invertido. Flertando o tempo todo com o acaso, mas demonstrando que seu papel, embora transformador, não passa de uma ação coadjuvante no caminho que nós mesmos estamos desenhando.Quer façamos isso de forma racional, ou irracional.

irrational

Já disse Salomão que o caminho da racionalidade traz tristeza. Que verdade dura, chata e velha. Talvez seja por isso que nossa geração e a moral de nosso tempo flerte tanto com a moral subjetiva, a vida fugaz, a nova irracionalidade (aquela que ensina a ouvir a voz do coração), cheia dos seus próprios viéses cognitivos e que escolhe agir em detrimento de acreditar. E assim como seu conterrâneo Salomão, Allen decide mostrar que “melhor é estar na casa onde há funeral, do que na casa onde há festa” (Eclesiastes 7:2) para trazer uma análise honesta ao pensamento contemporâneo sobre moral e vida. Entre outras coisas. E faz isso de maneira genial ao inverter também os valores nos personagens. A geração passada milita pelos valores da geração atual enquanto geração atual entende os valores de sempre. Chamo essa inversão de genial porque provoca empatia, abrindo a porta da mente para a compreensão que a tese do filme: Uma sociedade com moral subjetiva é irracional.

 

Nito Xavier
Professor apaixonado pela profissão, cristão entusiasta, criador de teorias fracassadas e como diria minha mãe: falador de abobrinhas.
http://pupilasembrasas.com.br
Top