Cinegoga#9 – Jogos Vorazes: a ironia da violência

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O livro sobre o qual irei falar hoje é curiosamente controverso. Digo controverso porque ele é um sucesso de vendas, e já teve os dois primeiros volumes adaptados para o cinema, com o último volume encomendado para mais dois filmes. E a razão dessa explosão de popularidade se dá possivelmente por ser um tema quase inédito, pelo menos na forma em que se propõe a tratar o assunto. Estou falando em nada menos do que a trilogia de Jogos Vorazes.

A história se passa em futuro distópico, onde a nação Americana já não existe. Em seu lugar, surge um país chamado Panem, formado por 13 distritos muito pobres separados pelas matérias primas e mão de obra que fornecem, e governados por uma capital tirânica que os explora com mãos de ferro. Em virtude dessa tirania, os distritos se rebelam e iniciam uma guerra contra a capital, mas não conseguem medir forças e são derrotados. Como resultado da insubordinação, o 13º distrito é aniquilado, e todos os outros 12 são submetidos a uma competição anual transmitida pela televisão estatal.

O jogo consiste em crianças de 12 a 18 anos, um menino e uma menina de cada distrito sendo forçadas a lutarem contra si dentro de uma arena gigantesca com cenários dos mais variados. É dentro desse contexto que a protagonista, Katniss Everdeen, é forçada a digladiar em lugar de sua irmã caçula que fora sorteada para a edição daquele ano. A violência descrita no livro é muitas vezes chocante e ousada, afinal de contas, quem quer ver crianças sendo mortas para a diversão de um grupo elitizado?

Mas e interessante tirarmos um momento para refletirmos na similaridade do universo de Jogos Vorazes com o nosso. A luxúria e soberba descrita na capital de Panem são enxergadas facilmente em nossa sociedade capitalista, afinal, para que alguns sejam ricos, outros precisam ser pobres. E enquanto vemos pessoas esbanjando recursos, temos outras lutando para sobreviver.

Mas o tema principal da história, segundo a explicação da própria autora, é o custo do entretenimento. Ela diz que estava em casa certa noite zapeando entre os canais de sua TV. Em determinado momento, ela está assistindo um reality show, e ao trocar de canal, se depara com uma reportagem sobre a guerra no Iraque, onde jovens soldados perdiam a vida batalhando. “Nesse momento”, diz ela, “os dois conteúdos se misturaram em minha cabeça.”

A quantidade e variedade de programas disponíveis hoje, seja em qualquer mídia, pode ocasionalmente gerar um efeito indesejado. Ao assistir tanta violência gratuita, tanta miséria e sofrimento, seja em filme, ou mesmo no jornal, é possível que venhamos a perder a sensibilidade para o que é real. Quantos já se pegaram assistindo o jornal da noite como um mero entretenimento? E isso piora quando colocamos o pé no mundo real, e passamos pela pobreza, pela fome, pela indignidade e injustiça, sem sentir o mínimo de tristeza ou solidariedade.

Creio que a maior lição dessa obra está em sua ironia. Quando lemos o livro ou vemos o filme, podemos ficar indignados por existirem pessoas que se divertem com o sofrimento de crianças forçadas a se matarem. Mas a verdade é que nos divertimos assistindo ou lendo um livro que nos proporciona justamente essa experiência. E se formos mais a fundo, perceberemos que nossa realidade não difere muito. Claro que não no sentido literal, mas quantos sacrificam a educação de si mesmos e dos filhos, jogam no lixo os próprios valores morais e a consciência limpa em nome do entretenimento e da diversão?

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Leonardo Agrelos
Se acha um host, mas não sabe houstear. Se acha um podcaster, mas tem a linguá presa. Se acha um nerd, mas nunca terminou de ler O Senhor dos Anéis. Se acha um escritor, mas sempre procura no Google como se escreve impeachment. Entre tantos achismos uma certeza, a de que tem que melhorar como pessoa para parecer menos com um babaca.
http://pupilasembrasas.com.br
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