Ah!Minha Infância – Um menino de quase 50 anos Sem categoria by Leonardo Agrelos - 30/03/201430/03/20142 O que leva alguém a saber de cor a letra de uma música de 9 minutos de duração, como Faroeste Caboclo? Talvez seja o mesmo que leve milhares de pessoas a saberem de cor, diálogos inteiros de um seriado. Cenas inteiras. Episódios inteiros, com riqueza de detalhes, como o figurino, a música de fundo, os diálogos e até possíveis erros de edição ou erros de gravação que deixaram passar assim mesmo. Que série seria essa? Seria Lost? Arquivo X? Friends? Seinfeld? Breaking Bad? Game of Thrones? House? The Walking Dead? Big Bang Theory? A resposta a essa pergunta não está em nenhum estúdio hollywoodiano. Não está nem mesmo nos Eua. Está na longínqua década de 70, no coração do México. Sim, meus amigos. Falo de El Chavo del Ocho. Ou como conhecemos por aqui: Chaves. Criação do comediante e escritor Roberto Gomez Bolaños, vulgo Chespirito (corruptela de “pequeno Shakespeare”, ídolo do artista), Chaves é sucesso em 150 países e conta a história do garotinho órfão que aparece do nada em um pequeno bairro de pessoas humildes e acaba “adotado” por todos. Muita gente se pergunta o por que do sucesso de uma série tão antiga (começou em 1971) e com um enredo tão pueril. A resposta talvez se dê em uma simples palavra: identificação. A verdade é que nos identificamos não apenas com os personagens. Mas com as situações. Identificação também é a palavra chave para descrever a empatia entre os personagens, o que acaba dando aquela liga no enredo. Chaves é um menino órfão que foi deixado no bairro por sua mãe, que nunca mais apareceu. Sozinho, sujo, com roupas remendadas e com uma fome que nunca passa, ele fica amigo íntimo de outras 2 crianças, moradoras do bairro: Quico e Chiquinha. O menino é mimado ao extremo por sua severa mãe Florinda (que só é severa com os outros), arrogante e um tanto lento no raciocínio. Mas o fato é que Chaves desperta o que há de melhor nele. Talvez a discrepância entre os dois personagens (um pobre e outro com mais recursos), os una (dizem que os opostos se atraem), mas talvez o que os una de verdade seja a identificação. Assim como Chaves, Quico é órfão. Seu pai, que era marinheiro, foi engolido por uma baleia em um naufrágio. Orfandade que também é característica de Chiquinha. Menina esperta, que gosta de tirar vantagem dos outros, e com um que de raiva dentro dela, também é órfã. Perdeu a mãe, que morreu no parto. O que talvez explique um pouco do amargor. Vive com o pai, seu Madruga, um trambiqueiro, preguiçoso e caloteiro, que consegue a proeza de dever eternos 14 meses de aluguel e nunca ser despejado pelo senhorio do bairro, seu Barriga. Seu Barriga, aliás que também tem um filho, Nhonho. O menino, a exemplo do pai, sofre nas mãos do menino de rua. O pai, sempre é recebido por uma cacetada não-intencional pelo garoto. Já, o filho, obeso, como o pai, sempre é vítima de bullyng, não só de Chaves, mas também de Quico e Chiquinha. Mas, nota-se que a mãe de Nhonho está sempre viajando. Ou vive um casamento infeliz, ou foi engolida pelo trabalho. Talvez por isso, Nhonho se refugie nas crianças pobres da vila e se torne amigo deles. Identificação. Nhonho é um órfão de mãe viva. Da mesma forma, Popis, a prima de Quico, vive na vila a brincar com eles. Nunca se viu seus pais. Sabe-se que eles estão vivos, pois ela os cita. Mas, ela sempre procura a companhia de sua amarga tia e de seu arrogante primo. O que dá a entender, que os pais não devem ser boa companhia, dada a escolha final dela. E as crianças de sua rua, não devem perder a oportunidade de tirar sarro de sua voz fanhosa. Pati, a menina que desperta a paixão tanto de Quico, quanto de Chaves, vive também com sua tia, Glória, que por sua vez desperta a paixão de seu Madruga. Ou seja, outra provável órfã. E por fim, em termos de crianças, temos Godinez. O primeiro “vida loka” das séries. Um menino absolutamente estranho, cheio de manias, TOCs e de voz esquisita. Nunca se soube dos seus pais. Mas fica claro que não é morador da vila. Mas sempre está lá, a procurar a companhia deles. Agora falando dos adultos, a fauna também é diversificada. Já citamos Florinda, a mãe de Quico, seu Madruga, pai de Chiquinha e seu Barriga, o pai de Nhonho e dono das casas do bairro. Florinda é uma mulher amarga, má vestida e arrogante. Foi uma mulher bem resolvida financeiramente. Mas depois da morte do marido, teve que diminuir seu padrão de vida e morar numa vila pobre. O que só aumenta o seu amargor, a ponto de se referir a seus vizinhos, como gentalha. Mas seus dias passam a ter mais alegria, quando conhece Girafales, o gigante professor da escola do bairro. Ambos se apaixonam à primeira vista. Girafales, aliás que é um professor fora do comum. Fuma em sala de aula (aliás, fuma o tempo todo…dona Florinda ficará viúva de novo…), dá em cima da mãe de um aluno e seguidamente se envolve em brigas com o pai de uma aluna (seu Madruga). Seu Madruga, aliás, é outra pessoa com marcas profundas deixadas pela vida. Vive só com a filha, depois que a esposa morreu no parto. Deixou a única cama da casa para a filha dormir, enquanto dorme num sofá sustentado por tijolos, seguidamente está com sua TV estragada e deve 14 meses de aluguel para seu Barriga. Ainda tem saúde para trabalhar, mas sempre dá um jeito de se esquivar, apesar de já ter sido de tudo um pouco na vida: boxeador, toureiro, leiteiro, vendedor e velho do saco. É apaixonado por Glória, a bonita nova moradora da vila, que chega junto com sua sobrinha Pati. O que causa ciúmes na sua vizinha Clotilde. Clotilde é vítima de bullyng do bairro. Ela é idosa, e vive sozinha, numa casa que nenhuma das crianças conhece o interior. O que alimenta a lenda de que ela seria uma bruxa. Talvez o fato de já ter tido um gato e um cão chamados Satanás, tenha ajudado. Apaixonada por seu Madruga, faz de tudo para lhe conquistar, sempre sem resultado. Já seu Barriga, vive às turras com as crianças e principalmente com seu Madruga, seu único devedor. Dá ideia de ser um homem triste, já que nunca se vê sua esposa. Tese essa que é fortalecida, em um episódio, onde num mal entendido, pra variar, causado por Chaves, ele acha que dona Florinda está interessada nele e ele “retribui”. Mas o que mais chama a atenção no personagem, é que embora ameace reiteradas vezes, nunca despeja seu Madruga. Em um episódio, inclusive, chega a inventar uma história para justificar o não-despejo dele. A turma é completada por Jaiminho, o carteiro. Um gracioso e bonachão funcionário da Companhia dos Correios, que carrega uma bicicleta que nunca usa por preguiça de pedalar, e que pede para os moradores procurarem as cartas em sua bolsa, por preguiça de entregar. E dona Neves, a avó de seu Madruga, que a exemplo do neto e da bisneta, pensa em como tirar proveito e sarro do próximo. Toda esta turma se reúne em torno do menino de rua. Todas as ações giram em torno dele. Como dito no início, ele é “adotado” por todos. Passa o dia escondido em um barril. Mas recebe comida dos moradores. Também é “contratado” para atividades como varrer, ir ao mercado e carregar compras. Ganha uns trocados ainda juntando garrafas vazias. É matriculado na escola pelo próprio Professor Girafales. E com o tempo, ganha um emprego de garçom no restaurante inaugurado por Dona Florinda. E acaba hospedado no apartamento 8 pelo morador, que nunca se conheceu. Inclusive, no dia em que todo a vila resolve ir para o mesmo hotel na praia de Acapulco, ele é levado por seu Barriga. Como dito, Chaves desperta o que há de melhor em todos eles. Quico, passa a ser menos arrogante. Chiquinha, se apaixona por ele, e se torna mais altruísta. Se Madruga, se torna um tipo “pai” dele. Lhe dá conselhos, doces e carinho. Até começa a procurar trabalho. E ACHA! Dona Florinda se entrega novamente ao amor e se torna menos amarga. Clotilde, apaixonada, se torna mais jovial. Seu Barriga, não despeja Madruga e Chiquinha. E desgarrados pela sociedade, como Popis, Nhonho, Godinez e até Jaiminho, encontram nele, um amigo. Coisa que não tinham. A verdade é que o seriado nos dá preciosas lições de amor e altruísmo. A menina que só pensa em enganar o próximo, que se rende a amizade. A pessoa arrogante por um passado de glória, que aceita o próximo como seu igual. O milionário que não faz uso de seu “poder” de passar por cima dos outros e os trata como iguais. O caloteiro preguiçoso que resolve se dar mais uma chance. O menino de rua, que só sabe amar. Identificação. A verdade é que nos identificamos com esses moradores de um bairro pobre, que na verdade são uma grande família. Como se fosse o cunhado sacana que não trabalha, a tia rica e arrogante, o tio rico que só aparece pra contar vantagem, a tia solteirona, o sobrinho metido a rico, a sobrinha que é uma peste. Nos identificamos, porque apesar de serem assim, os amamos. Os aceitamos. E somos amados e aceitos. Talvez (e aqui é só um exercício de imaginação), sejamos o Chaves da nossa própria história. O elo de ligação de um bando de loucos. Talvez por um bom exemplo dado por nós, esse bando que não teria como andar junto, não se desgruda. É o que acontece em El Chavo del Ocho. Um menino de rua que só sabe amar, desperta o que há de melhor em que acha que não tem mais o que oferecer. Um órfão sujo e maltrapilho, ama incondicionalmente quem não recebe amor de mais ninguém. Um moleque de roupa remendada não olha para os defeitos físicos ou morais de seu próximo. Apenas as qualidades. E isso faz com que eles não desistam de si mesmos. Um clássico exemplo disso, é quando um ladrão ataca a vila. Todos acusam Chaves de ser o ladrão. O que ninguém sabe, é que o ladrão é um morador do bairro. Que ao ver que Chaves, mesmo acusado dos roubos, ora a Deus para que ele se arrependa, desiste da vida de crimes e começa uma nova e feliz existência. Chaves, esse menino que nem mesmo se chama assim, que passa o dia dentro de um barril, viciado em sanduíche de presunto, que ama brincar com barro e sonha em ter uma bicicleta, é meu herói. Mais que qualquer aventureiro das séries de ação. Mais que médicos pernetas, anões arrogantes, arqueiros caçadores de zumbis, vampiros sedutores ou professores vendedores de meta-anfetamina. Chaves é o cara. Há mais de 40 anos. 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